UFRJ: maior universidade do Brasil completa 100 anos
Para comemorar a data, instituição lança documentário
A primeira universidade criada pelo Governo
Federal no país, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
completa 100 anos nesta segunda-feira (7).
Criada em 1920 com o nome de Universidade do
Rio de Janeiro, a instituição surgiu da fusão de três escolas criadas
depois da vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808: a Real
Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, da área de engenharia, a
Faculdade Nacional de Medicina e a Faculdade Nacional de Direito. Na década
seguinte, se somaram a Escola Nacional de Belas Artes e a Faculdade Nacional de
Filosofia, sob o nome de Universidade do Brasil.
Para comemorar a data, a instituição lança o
documentário Centenária: a Universidade do Brasil entre duas pandemias, a
partir das 17h de hoje, na página da universidade no YouTube. A abertura da cerimônia
contará com a apresentação da Orquestra Sinfônica da UFRJ. Para amanhã (8),
estão programadas, a partir das 8h40, mesas de debates, apresentações e
intervenções artísticas de diversos departamentos.
Produção científica
Em um século de história e produção
científica, os números alcançados pela instituição impressionam. A UFRJ é
considerada a 2ª melhor universidade do Brasil e a 3ª da América Latina, tem
cinco áreas de estudo entre as 100 melhores do mundo (antropologia,
arqueologia, arquitetura/ambiente construído, estudos de desenvolvimento e
línguas modernas), oferta 176 cursos de graduação, sendo 24 cursos noturnos e
quatro a distância.
No total, são oferecidas, por ano, 9 mil vagas
pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), com as notas do Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem). Atualmente, a UFRJ conta com 53,5 mil
estudantes de graduação.
Na pós-graduação são 15,7 mil
estudantes, em 200 cursos de especialização lato-sensu, 130 de
mestrados acadêmico e profissional e 94 de doutorado. O corpo de profissionais
conta com 4.218 docentes, 3.611 técnicos-administrativos que atuam em hospitais
e 5.542 técnicos-administrativos nas demais unidades da UFRJ. Na área de
extensão universitária, são 1.863 projetos pedagógicos, atividades artísticas e
cursos para a população.
A UFRJ conta com 14 prédios tombados como
patrimônio histórico, 1.456 laboratórios, 45 bibliotecas, 13 museus e nove
unidades de saúde. A instituição abriga o maior centro de ensino e pesquisa em
engenharia da América Latina, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação
e Pesquisa de Engenharia (Coppe), e o tanque oceânico mais profundo do mundo
para testes de equipamentos da área de petróleo e gás offshore.
Pandemia
Uma das principais instituições científicas do
país, a UFRJ se adaptou rapidamente para responder às demandas urgentes da
sociedade com a pandemia de covid-19.
A reitora, Denise Pires de Carvalho, explica
que a capacidade de pesquisa e adaptação vem da longa jornada em busca da
excelência científica pela instituição.
“Nós não tínhamos nenhum grupo de pesquisa
trabalhando com coronavírus na UFRJ. Nenhum. E temos agora mais de 120 projetos
de pesquisa em coronavírus em menos de 6 meses. Isso é a característica de uma
instituição de pesquisa, ela responde rapidamente às demandas da sociedade. Um
grupo que trabalhava com zika, com HIV, agora está trabalhando também com
coronavírus. Se esse grupo não existisse, era praticamente impossível
termos os novos teste sorológicos”, avalia.
Um desses grupos de pesquisa é o do
professor Jerson Lima, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de
Meis, que trabalha com proteínas envolvidas no câncer e proteínas de
vírus como o Zika e o da Influenza. Com a pandemia, o foco se voltou para o
SARS-CoV-2, vírus que causa a covid-19, e o resultado é um soro produzido por cavalos com cem vezes mais anticorpos do
que o de pacientes da doença.
O material pode auxiliar no tratamento da
covid-19, assim como o soro antiofídico funciona para picada de cobra e o soro
antirrábico para mordida de animais.
“A vacina é uma imunização ativa, usa o
vírus ou pedaço do vírus e vai gerar a resposta imune, os anticorpos. O soro é
uma imunização passiva. Nós estamos imunizando os cavalos, para nossa surpresa,
eles estão produzindo muito anticorpo. Esse material é processado
para ficar só com uma parte do anticorpo, que reage com o
vírus. Provavelmente, ele vai servir para tratar aquele paciente que
foi para a enfermaria, está recebendo um pouco de oxigênio suplementar e o soro
vai ter um efeito importante de combater a infecção”, explica o
professor.
O potencial do tratamento foi verificado em
testes pré-clínicos, feitos em laboratório, e, no momento, a equipe
dialoga com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para iniciar os
testes clínicos, com pacientes, onde será verificada a eficácia, dosagem e
recomendação do tratamento.
Presente
Em meio a enormes desafios, principalmente, a
pandemia de covid-19, e inúmeras contribuições para as ciências e a pesquisa no
país, em todas as áreas de conhecimento, a UFRJ enfrenta cortes de
orçamento e dificuldades para manter a infraestrutura de pesquisa conquistada e
consolidada neste século de história.
Segundo a reitora, os cortes
orçamentários dos últimos anos fizeram o déficit da UFRJ alcançar R$
150 milhões no ano passado, com perspectivas de a universidade receber R$ 65
milhões a menos em 2021.
“Se hoje nós temos orçamento para 10
meses de funcionamento, em 2021 nós teremos esse orçamento para 8 meses. Então,
imagina um hospital que tem CTI covid, que tem enfermaria
covid ter que fechar essas áreas porque não pode pagar a limpeza das
enfermarias por quatro meses. Tem laboratórios de pesquisa cultivando
coronavírus, sequenciando, desenvolvendo vacinas, que vão gerar riqueza para o
país, tendo que ser fechados porque não há limpeza nos
laboratórios”, explica Denise.
O professor Jerson Lima, que também preside da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj),
destaca que a falta de investimento em ciência, tecnologia, pesquisa e inovação
no Brasil, cujo momento mais crítico foi em 2016, levou à volta da “fuga de
cérebros” do país, com pesquisadores buscando melhores condições de trabalho na
Europa ou nos Estados Unidos.
“Poderíamos ter muito mais estudos se
tivéssemos uma infraestrutura melhor de laboratórios com biossegurança. Tudo
isso é um custo, precisa ter o investimento, na formação de pessoal,
nos pós-doc. A gente perde muitos talentos. Uma pessoa que quer trabalhar com
técnicas como edição genômica, aqui a gente poderia ter mais, mas
isso requer recursos. Os cientistas brasileiros competem com os cientistas
americanos, europeus, só que lá eles têm condições muito melhores”.
Ele compara o investimento feito no Instituto
Nacional de Saúde americana (NIH), que tem um orçamento de US$ 35 bilhões, com
o orçamento de todo o Ministério de Ciência e Tecnologia, de R$ 7,36 bilhões em
2020.
“Você não tem
como ter desenvolvimento econômico e social sem investir na inovação,
em pesquisa e desenvolvimento. Desde a pesquisa base, as pessoas estão
entendendo isso agora com a pandemia, a pesquisa aplicada é uma consequência do
que você entende da pesquisa básica. Se a gente não entender como o vírus age
quando infecta a célula, em que receptor que ele se liga, conhecer exatamente
como é a doença em termos básicos, você não vai poder fazer vacina, ou soro, ou
medicamento”, destaca.
Passado
A professora Marieta de Moraes Ferreira, do
Instituto de História da UFRJ, explica que, apesar de a Universidade do
Rio de Janeiro ter sido criada em 1920, a instituição só passou
a funcionar como uma universidade, com integração interdisciplinar, após a
reforma educacional instituída por Getúlio Vargas a partir de 1930, que tinha
entre os pensadores que defendiam a educação pública, laica e gratuita nomes
como Anísio Teixeira e Afonso Arinos.
“Em 1931 tem uma reforma educacional, com a
preocupação de reestruturar a educação básica e também de colocar em pauta o
desejo de fazer com que aquela antiga universidade se tornasse
real. É criada em 1937 a Universidade do Brasil, que vai de fato
integrar a faculdade de medicina, direito, engenharia e mais outras escolas que
estavam sendo criadas naquele momento. Dois anos depois, em 1939, é criada a
Faculdade Nacional de Filosofia, que tinha como objetivo formar professores
para a educação básica, de todas as disciplinas”.
De acordo com a historiadora, o nome UFRJ é
adotado em 1967, após outra reforma universitária. A universidade participava
dos debates sobre as reformas de base no começo da década de 1960 e Darcy
Ribeiro propunha um novo modelo, com a criação da Universidade de Brasília
(UnB), em 1962. Mas a reforma só ocorreu em 1968, com o governo militar em
vigor.
“Há então, nesse período, grandes discussões,
não só sobre o conteúdo das disciplinas, das matérias, mas também sobre qual é
o lugar da universidade de um país moderno, de um país que queria enfrentar o
problema da desigualdade social”, relembra Marieta.
“Mas em 1964 ocorre o golpe militar e esse
processo é interrompido. A partir daí volta, pelo regime militar,
a ter uma discussão sobre a reforma universitária, que é imposta de
cima para baixo. Extingue-se o regime de cátedra, cria-se o modelo de
departamentos, cria-se também o sistema de créditos”, conta a historiadora.
A reitora Denise Pires de Carvalho destaca que
a universidade de pesquisa é implantada no Brasil na década de 1930, seguindo o
modelo alemão e também utilizado em locais como Oxford, na Inglaterra, e
Harvard, nos Estados Unidos. Com isso, a Universidade do Brasil é utilizada como
modelo para as demais universidades criadas no período, como a Universidade de
São Paulo (USP), de 1934.
“Desde o início ela se torna uma universidade
de pesquisa e vem se fortalecendo mais em algumas áreas, como por exemplo óleo
e gás, em parceria com a Petrobras, que vem da década de 70. Isso fez com que o
Brasil detivesse a tecnologia de extração de petróleo em águas profundas. Nós
podemos fazer essa extração porque os laboratórios da UFRJ, em parceria com a
Petrobras e empresas da área de óleo e gás, chegaram a essa tecnologia. Isso é
um exemplo de como é importante uma universidade de pesquisa, porque ela
resolve problemas que são importantes para o país.”
Futuro
Para os próximos anos, o professor Jerson
Lima espera que a UFRJ consiga superar as dificuldades financeiras, em
meio à retração da economia do país. “O primeiro desafio é esse, como vai
ser manter todo esse parque de ciência e tecnologia, manter toda essa
infraestrutura com diminuição de recurso.”
Para o médio prazo, o professor se diz otimista
e afirma que a UFRJ e todas as instituições de pesquisa do Brasil e do mundo
sairão da pandemia fortalecidas e mais respeitadas, pelo excelente trabalho que
vêm desenvolvendo nesta crise. Para o longo prazo, Lima diz que os
alicerces estão muito bem estabelecidos para que a universidade ofereça à
sociedade as respostas que ela precisa. Porém, é preciso que os investimentos
correspondam às necessidades.
“Infelizmente ainda há os movimentos
anticiência, mas a ciência sai fortalecida, em todas as suas mensagens ela diz
que não tem verdades absolutas, mas o melhor que temos é fazer com muito
cuidado. A universidade não é um custo, ela é um investimento que dá retorno.
Esse retorno tem que ser cobrado, mas para cobrar você tem que investir.”
A reitora cita os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações
Unidas (ONU) como guia de ações, com metas a serem atingidas até 2030. Porém,
para Denise, o Brasil precisa abraçar esses objetivos para o próximo século.
“Nós entramos nos últimos 10 anos dos ODS e eu
gostaria que a universidade se debruçasse seriamente sobre esses objetivos,
porque vai ajudar que o nosso país avance. Para isso, nós precisamos de mais
investimento e de menos burocracia também. Para isso, precisamos de apoio dos governos,
todos, porque somos um projeto de Estado e precisamos permanecer como um
projeto de Estado para garantir o desenvolvimento do Brasil.”
Como exemplo desse olhar para o futuro, a
reitora explica que a UFRJ tem se atualizado e tem aberto novos cursos, como
nas áreas de nanotecnologia, biotecnologia e engenharia
matemática com foco na inteligência artificial.
Fonte: Agencia Brasil
Foto: Divulgação
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